Viviane Senna transformou o IAS em referência no universo da filantropia brasileiro
"Já percebemos uma alta de 50% na busca por parcerias e contratos de licenciamento", diz o diretor de negócios do instituto.
Em março, por exemplo, a Montegrappa anunciou a criação de uma série comemorativa de canetas de luxo em homenagem a Senna. A fabricante de motos Ducati também está colocando a venda no mercado brasileiro um modelo de R$ 100 mil com a marca do ídolo. E a companhia aérea Azul pôs em operação uma aeronave com as cores do seu capacete. O primeiro voo, com a presença de Viviane Senna, irmã do piloto e presidente do IAS, foi de Porto Alegre a São Paulo na última terça-feira.
Narrativa do herói
Para especialistas em marketing esportivo, o sucesso da marca Senna deve-se a uma combinação de dois fatores.
Primeiro, a força da história e do legado do piloto. Segundo, a boa gestão dos negócios ligados ao seu nome pelo IAS.
"Senna viveu o auge de sua carreira em um momento em que o Brasil passava por uma espécie de 'crise de autoestima'", acredita Pedro Trengrouse, coordenador do curso de "Gestão, Marketing e Direito no Esporte" da Fundação Getúlio Vargas.
"No início dos anos 90, havíamos acabado de nos tornar uma democracia, ainda sofríamos com a hiperinflação e a seleção brasileira não ganhava uma Copa desde os anos 70 - mas ligávamos a TV no domingo e víamos a bandeira brasileira no pódio”, ele lembra.
"Ayrton Senna personificava a ideia de um país que podia dar certo, era motivo de orgulho nacional em um momento crítico. Por isso, é natural que sua imagem tenha ficado gravada na memória afetiva de tantos brasileiros."
Segundo um estudo do instituto Ibope Repucom que analisa a percepção da população sobre celebridades - o Celebrity DBI - Senna é a personalidade com mais aceitação entre os brasileiros.
No total, 89% da população em geral admira o piloto - percentual maior que o de ídolos como Pelé, Ronaldo, Neymar e o tenista Gustavo Kuerten.
Ovo de páscoa do Senninha
No caso dos brasileiros com mais de 25 anos, o índice é de 93%.
Para Eduardo Muniz, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing e sócio-diretor da agência Top Brands, contribui para a força da imagem do piloto o fato de sua história reproduzir a "trajetória de um herói de uma tragédia mitológica".
"O acidente de Ímola matou Senna no auge. Ninguém chegou a ver o declínio de sua carreira, como no caso de outros atletas, como Gustavo Kuerten", diz Muniz.
"Isso eternizou na mente das pessoas a imagem do piloto em seu melhor momento - o que ajuda a dar força a sua marca."
Gestão da marca
Na opinião dos especialistas, porém, parte desse potencial de negócios ligado ao nome Senna poderia ter se perdido ao longo dos anos não fosse a boa gestão da marca pela família do piloto - que a vinculou a projetos sociais tidos como referência na área de educação.
Muniz nota, por exemplo, que embora o piloto sempre fosse visto como alguém sensível a problemas sociais e humanos, morreu antes de poder concretizar seus projetos nessa área.
O IAS foi idealizado por Senna, mas só saiu do papel em novembro de 1994, quando sua família lhe cedeu todos os direitos sobre a imagem do piloto.
Desde então, a ONG vem atuando em projetos para melhorar a eficiência de instituições de ensino por todo o país, organizando desde programas de reforço escolar e capacitação de educadores até sistemas de gestão de recursos.
Pelas contas de seus coordenadores, atende a uma média de 2 milhões de crianças a cada ano. E é para tal projetos que se destina toda a receita obtida com o licenciamento de produtos da grife Senna - do tênis do Senninha aos relógios Hublot da coleção do piloto.
Avião da Azul foi pintado de modo a imitar capacete de Senna
"O fato de os recursos serem usados em projetos sociais é o que permite que uma variedade tão grande de mercadorias seja licenciada sem que haja um desgaste comercial da marca", acredita Muniz.
"Se o lucro com esses negócios fosse simplesmente embolsado pela família, provavelmente eles teriam de selecionar uma gama menor de itens mais ligados ao universo da Fórmula 1 para evitar a percepção de que o nome do piloto poderia estar sendo superexplorado", opina.
Branding
A grife Senna é um caso de sucesso em uma área de negócios que ainda engatinha no Brasil – o chamado "branding" esportivo.
Trata-se do trabalho de construção e de administração de uma marca esportiva para aproveitar seu potencial de mercado em licenciamentos e campanhas publicitárias.
É claro que, no caso dos atletas, esse potencial depende antes de tudo da forma como cada um toca sua vida e carreira, como explica João Henrique Areias, autor do livro Uma Bela Jogada - 20 anos de Marketing Esportivo.
"Se o atleta tem uma imagem positiva e uma conduta que pode servir de inspiração para os jovens, mais empresas vão querer se vincular a seu nome", diz Areias, que nos anos 90 foi sócio de Pelé em uma consultoria de marketing esportivo que levava o nome do jogador.
"Era esse o caso de Senna, identificado com valores como garra e persistência."
Por outro lado, quem está constantemente metido em escândalos ou é visto como um atleta sem ética pode se tornar um azarão no mundo publicitário.
Um caso emblemático nesse sentido é o do ciclista Lance Armstrong, que caiu em desgraça quando veio à tona que ele praticou doping para vencer seus sete Tours de France.
Depois do escândalo, Armstrong não só perdeu o patrocínio da Nike como a fabricante de produtos esportivos também anunciou que não pretendia nem renovar sua parceria com a fundação criada por ele para apoiar vítimas de câncer - a Livestrong.
"Há erros que são imperdoáveis para o público, embora deslizes menos graves possam ser deixados para trás se forem admitidos prontamente e o atleta mostrar arrependimento pelo que fez", acredita Areias.
Modelo de moto em homenagem a Senna
Campanhas erradas
Ele destaca, porém, que mesmo com uma vida pessoal livre de polêmicas, um esportista pode ter o potencial comercial de seu nome minado pela escolha de produtos, campanhas e peças publicitárias erradas - e essa é uma das áreas em que uma boa gestão da sua "marca" pode fazer a diferença, como mostra o caso Senna.
Nos anos 1970, por exemplo, o jogador Gérson acabou sendo identificado como uma espécie de patrono dos malandros e sujeitos sem escrúpulos após uma propaganda de cigarro na TV em que, com um sotaque carioca carregado, convidava os telespectadores a serem espertos para "levar vantagem" na vida.
Hoje, os aficcionados por futebol provavelmente vão lembrar que o meia-armador Gérson de Oliveira Nunes era parte da seleção tricampeã de 1970; que era conhecido como o "canhotinha de ouro" e conseguia lançar a bola aonde quisesse, com uma precisão invejável.
Mas um número ainda maior de pessoas vai associar seu nome ao controverso código de conduta que ficou conhecido com "Lei de Gerson": "Leve vantagem você também, leve vantagem em tudo".
"Há contratos comerciais que garantem uma boa rentabilidade imediata, mas se os valores da empresa em questão estão em desacordo com os valores aos quais queremos ligar a nossa marca, o estrago pode ser grande no longo prazo", explica Crespo, do IAS. "Sempre tivemos consciência disso no IAS - e acho que isso foi crucial para o sucesso da marca Senna."
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