Benedito Braga: "As pessoas só entenderão que a água é preciosa quando ela custar caro"
O governo de São Paulo deve concluir ainda nesta quinta-feira (15) as obras para captar água do volume morto do Sistema Cantareira, que abastece metade da capital paulista. Mesmo com as obras, a situação é crítica. Como São Paulo chegou a essa situação? Para entender melhor as proporções dessa crise, conversamos com o presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga. Braga é professor da USP e profundo conhecedor do tema – ele trabalhou na Secretaria de Recursos Hídricos de São Paulo e na Agência Nacional das Águas (ANA). Questionado sobre a possibilidade de racionamento, Braga explica que o rodízio – termo usado pelos técnicos para o ato de desligar a água de setores da cidade por algum tempo – não é uma medida apropriada, pelo risco de contaminação. E defende a redução do consumo por meio de multa. "Isso é racionar usando um instrumento econômico".
Blog do Planeta – Em 2012 o senhor disse que São Paulo teria problemas de falta d'água em dez anos. Não precisou de tudo isso. Essa crise de água era previsível?
Benedito Braga – Não extamente da forma como aconteceu. Nós não esperávamos uma situação climatológica tão extrema. Com base na série histórica, não era possível prever a crise que São Paulo está vivendo hoje. Mas sem dúvida a situação é complicada em todo o Brasil – basta ver o Nordeste, que enfrenta uma situação de três anos de escassez. Quando eu falei que faltará água em São Paulo, estava fazendo um alerta à classe política. Os políticos precisam se dedicar mais ao tema da água, e essa crise enfatiza isso. A maioria dos países já começa a perceber que é um tema estratégico, assim como a Saúde e Educação.
Benedito Braga – Não extamente da forma como aconteceu. Nós não esperávamos uma situação climatológica tão extrema. Com base na série histórica, não era possível prever a crise que São Paulo está vivendo hoje. Mas sem dúvida a situação é complicada em todo o Brasil – basta ver o Nordeste, que enfrenta uma situação de três anos de escassez. Quando eu falei que faltará água em São Paulo, estava fazendo um alerta à classe política. Os políticos precisam se dedicar mais ao tema da água, e essa crise enfatiza isso. A maioria dos países já começa a perceber que é um tema estratégico, assim como a Saúde e Educação.
Blog do Planeta – Quais são as causas da crise? O governo põe a culpa no clima, já a oposição fala em má administração.
Braga – São três fatores. O primeiro é o clima. O período de 2013-2014 registrou uma quantidade de chuvas 30% menor do que o mínimo já registrado na série histórica da região. Portanto, é uma situação climatológica fora do normal. Quem disser que o clima não influiu não tem conhecimento técnico e está usando esse debate do ponto de vista político.
Braga – São três fatores. O primeiro é o clima. O período de 2013-2014 registrou uma quantidade de chuvas 30% menor do que o mínimo já registrado na série histórica da região. Portanto, é uma situação climatológica fora do normal. Quem disser que o clima não influiu não tem conhecimento técnico e está usando esse debate do ponto de vista político.
O segundo ponto é o padrão de consumo da população da região Sudeste, nunca habituada a uma situação desse tipo. O uso ineficiente e excessivo da água é uma cultura no Sudeste. Por que as pessoas varrem a calçada com água? Porque há a noção de que a água é abundante. O consumo continua no mesmo padrão, como se nada estivesse acontecendo, exaurindo os reservatórios.
O terceiro problema é de infraestrutura. Os reservatórios que precisam ser construídos não foram ou atrasaram. No Brasil, é difícil aprovar uma obra de infraestrutura. Há a repulsa da comunidade ambientalista mais radical, que dificulta enormemente, e há tantas normas e burocracia que aprovar qualquer obra leva muito tempo. Não vou dizer que, se essas estruturas estivessem no lugar, estaríamos fora da crise, mas pelo menos teríamos uma margem maior de manobra para esperar a chuva que deve vir em outubro ou novembro.
Blog do Planeta – O Sistema Cantareira, sozinho, abastece metade de São Paulo. Não é uma fragilidade muito grande depender tanto dele?
Braga – É um sistema muito grande, tem armazenamento suficiente para toda essa população. Toda obra tem um fator de risco. Se você for construir uma obra sem risco, o custo fica infinito. Você tem que ter um balanço entre custo e risco. O Sistema Cantareira foi projetado para resistir à seca mais severa observada na história dele, com estudos probabilísticos, levando em conta que pode acontecer uma seca pior do que a já observada. Mas este ano nós tivemos uma seca maior do que a prevista pelo projeto. O sistema não tem como resistir a isso.
Braga – É um sistema muito grande, tem armazenamento suficiente para toda essa população. Toda obra tem um fator de risco. Se você for construir uma obra sem risco, o custo fica infinito. Você tem que ter um balanço entre custo e risco. O Sistema Cantareira foi projetado para resistir à seca mais severa observada na história dele, com estudos probabilísticos, levando em conta que pode acontecer uma seca pior do que a já observada. Mas este ano nós tivemos uma seca maior do que a prevista pelo projeto. O sistema não tem como resistir a isso.
Blog do Planeta – O governo está fazendo obras para utilizar água do volume morto do Sistema Cantareira. Faz sentido usar essa água?
Braga – Primeiro, deixa eu explicar o que é o volume morto. A água que vem do rio ou da chuva tem sedimentos que ficam em suspensão. Nos reservatórios, esses sedimentos decantam e vão para o fundo do lago. Você precisa deixar um volume para essa areia e sedimentos, porque ao longo do tempo uma parte do reservatório vai sendo ocupada. O volume morto é um volume para armanezar esses sedimentos. Em geral, ele é superdimensionado, até por uma questão de segurança. Foi o que aconteceu com o Cantareira. Deixou-se um volume muito grande e, hoje, em vez de sedimento, tem água.
Braga – Primeiro, deixa eu explicar o que é o volume morto. A água que vem do rio ou da chuva tem sedimentos que ficam em suspensão. Nos reservatórios, esses sedimentos decantam e vão para o fundo do lago. Você precisa deixar um volume para essa areia e sedimentos, porque ao longo do tempo uma parte do reservatório vai sendo ocupada. O volume morto é um volume para armanezar esses sedimentos. Em geral, ele é superdimensionado, até por uma questão de segurança. Foi o que aconteceu com o Cantareira. Deixou-se um volume muito grande e, hoje, em vez de sedimento, tem água.
Blog do Planeta – Ela é tão potável quanto a outra?
Braga – Claro, é a mesma água. A água do Cantareira é coletada por uma espécie de torre, um cilíndro de concreto com janelinas em diferentes alturas. Quando o reservatório está cheio, a água entra na janela de cima, quando vai baixando, entra na de baixo. A última janelinha fica acima desse volume morto. Usando essa água, o que se prevê é postergar uma situação absolutamente crítica até outubro. Então vale a pena fazer isso. O único problema do volume morto é que tem um custo para as obras.
Braga – Claro, é a mesma água. A água do Cantareira é coletada por uma espécie de torre, um cilíndro de concreto com janelinas em diferentes alturas. Quando o reservatório está cheio, a água entra na janela de cima, quando vai baixando, entra na de baixo. A última janelinha fica acima desse volume morto. Usando essa água, o que se prevê é postergar uma situação absolutamente crítica até outubro. Então vale a pena fazer isso. O único problema do volume morto é que tem um custo para as obras.
Blog do Planeta – Já não está na hora de São Paulo decretar racionamento?
Braga – Quando você fala em racionamento, eu entendo que você está falando em rodízio, certo? O rodízio é fechar a tubulação e deixar um setor da cidade sem água. Isso não é bom. O governo não deve decretar rodízio. Você já deve ter ouvido falar que os canos embaixo da terra vazam, são as perdas de água. É água que sai de dentro do cano para o subsolo. A pressão dentro do cano é maior que a pressão fora. Quando você tira a água do cano, a situação se inverte, a pressão de fora fica maior. O que acontece? A água que está no subsolo entra no cano. E essa água nem sempre é limpa. Você corre o risco de contaminar o conduto. Não é um bom procedimento fazer rodízio. Isso não é apropriado do ponto de vista técnico e da saúde pública. É preciso pensar em racionamento com outro tipo de ponto de vista, como uma forma de limitar o uso da água.
Braga – Quando você fala em racionamento, eu entendo que você está falando em rodízio, certo? O rodízio é fechar a tubulação e deixar um setor da cidade sem água. Isso não é bom. O governo não deve decretar rodízio. Você já deve ter ouvido falar que os canos embaixo da terra vazam, são as perdas de água. É água que sai de dentro do cano para o subsolo. A pressão dentro do cano é maior que a pressão fora. Quando você tira a água do cano, a situação se inverte, a pressão de fora fica maior. O que acontece? A água que está no subsolo entra no cano. E essa água nem sempre é limpa. Você corre o risco de contaminar o conduto. Não é um bom procedimento fazer rodízio. Isso não é apropriado do ponto de vista técnico e da saúde pública. É preciso pensar em racionamento com outro tipo de ponto de vista, como uma forma de limitar o uso da água.
Blog do Planeta – Como a gente faz a população limitar o uso da água? Com multa?
Braga – Eu não tenho dúvidas de que a multa é a melhor forma. As pessoas só vão entender que a água é preciosa quando ela custar caro. Eu faria uma multa até mais pesada do que a que o governo está planejando – dobrar ou até triplicar a tarifa de quem desperdiça água, para mostrar que a situação é grave. Isso é racionar usando um instrumento econômico, o que é muito mais inteligente. Outra forma de racionar é diminuir um pouco a pressão da água no conduto. Se o consumidor tentar tirar mais água, ele não consegue. São métodos de racionamento que não comprometem a saúde pública, enquanto o rodízio é muito ruim e não deve ser feito.
Braga – Eu não tenho dúvidas de que a multa é a melhor forma. As pessoas só vão entender que a água é preciosa quando ela custar caro. Eu faria uma multa até mais pesada do que a que o governo está planejando – dobrar ou até triplicar a tarifa de quem desperdiça água, para mostrar que a situação é grave. Isso é racionar usando um instrumento econômico, o que é muito mais inteligente. Outra forma de racionar é diminuir um pouco a pressão da água no conduto. Se o consumidor tentar tirar mais água, ele não consegue. São métodos de racionamento que não comprometem a saúde pública, enquanto o rodízio é muito ruim e não deve ser feito.
Blog do Planeta – Pensando em medidas de médio e longo prazo, o que São Paulo pode fazer para assegurar o abastecimento de água no futuro?
Braga – São duas coisas. A primeira é fazer a infraetrutra necessária para abastecimento. Isso é mandatório. O governo não pode se eximir da responsabilidade de executar as obras, independentemente de dificuldades econômicas, sociais ou ambientais. A segunda é a implementação de instrumentos econômicos para dar sinais ao consumidor de que a água é um bem valioso e nós temos que usá-la com eficiência e racionalidade.
Braga – São duas coisas. A primeira é fazer a infraetrutra necessária para abastecimento. Isso é mandatório. O governo não pode se eximir da responsabilidade de executar as obras, independentemente de dificuldades econômicas, sociais ou ambientais. A segunda é a implementação de instrumentos econômicos para dar sinais ao consumidor de que a água é um bem valioso e nós temos que usá-la com eficiência e racionalidade.
Eu acho que, bem a longo prazo, nós teremos que examinar tecnologias como o reuso potável direto. Alguns países, como Cingapura e Namíbia, tratam o esgoto até que fique tão limpo a ponto de poder ser jogado na rede potável. Há uma recirculação completa da água. A região metropolitana de São Paulo vai, provavelmente, ter que explorar isso no futuro.
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