quinta-feira, 15 de maio de 2014

Como procurar informações confiáveis sobre saúde na internet

Como procurar informações confiáveis sobre saúde na internet


 (Foto: Redação Galileu)

Não sou daqueles médicos que acham ruim quando o paciente chega para a consulta tendo lido sobre o que lhe aflige na internet. Pelo contrário, acredito que o interesse na própria saúde já é meio caminho andado. Mas quem disse que o que você achou na internet está certo? Quando leio sobre os custos da copa do mundo no jornal sempre fico um pouco perdido porque os números variam bastante. Em quem posso confiar?
Um artigo recente da revista norte americana The Atlantic levantou uma questão importante: a Wikipédia pode ser considerada uma fonte confiável de informações médicas?
Essa pergunta ganha mais peso ao sabermos que muitos profissionais de saúde a utilizam como fonte de informação para suas tomadas de decisão. Isso é ruim? Antes de darmos a resposta óbvia (“depende”), vamos à parte mais atraente do tema: como saber qual é a verdade em medicina? Aquela história do café, semana faz bem, semana faz mal, por que acontece?
Verdade é um conceito filosoficamente instigante, mas falaremos aqui da verdade aplicada, aquela que conduz à uma atitude prática que pode nos ajudar a melhorar ou conservar a saúde. A ciência que produz a “verdade” médica é complexa e tem seus caprichos - melhor tentar entendê-la.
Como médico, consumidor e produtor de dados científicos, minhas fontes primárias de pesquisa são os periódicos (revistas) científicos. As publicações mais respeitadas e relevantes têm um corpo editorial que avalia milhares de trabalhos enviados por ano para a revista. Os revisores, também chamados de pares porque são profissionais que atuam na mesma área e conseguem julgar o valor da informação, podem logo de cara descartar o artigo (por ser tecnicamente falho) ou pedir mais informações aos pesquisadores para se certificarem de pontos duvidosos. Após o processo de escrutínio, o artigo pode ser aceito e o carimbo de qualidade se dá quando uma revista importante publica o trabalho. A relevância da revista depende da qualidade dos avaliadores (corpo editorial) e do impacto que os trabalhos publicados por ela tem no meio científico.
 (Foto: jfcherry/Flickr/Creative Commons)
Imagine, então, que quando vou estudar prefiro ler algo publicado na famosa New England Journal of Medicine ou no British Medical Journal, para citar dois periódicos, porque sei que ter um artigo publicado nessas revistas é prova de trabalho extremamente bem feito e muito bem avaliado. Ainda que cada revista tenha sua política editorial e nicho de mercado, a ciência bem feita obedece a inúmeros preceitos que devem ser respeitados – e os revisores sabem como procurá-los – para garantir a informação mais confiável possível.
Parte do problema café faz bem/faz mal é que existem milhares de revistas científicas, com “sarrafos” em alturas diferentes. Isso acontece em parte porque há um grande mercado de produção científica que deve ser saciado, tenta-se criar espaço para todos. Portanto, ler um artigo publicado em revista científica não é necessariamente garantia de qualidade. Depende da revista; quando um órgão de imprensa cita uma pesquisa, é certo que há fonte, mas o jornalista não sabe qual foi a profundidade do escrutínio a que aquele trabalho foi submetido. Isso não quer dizer que revistas grandes não erram, mas a chance é muito menor quanto melhor for o corpo editorial.
Profissionais de saúde têm à disposição sites e bancos de dados que oferecem acesso direto aos artigos científicos. Os antigos livros-texto (que ainda existem) também podem ser usados e já estão disponíveis há algum tempo em formato eletrônico. Tanto os artigos como os livros citam as fontes de onde saíram as afirmações do texto. Portanto, para médicos, há opções melhores que a Wikipédia.
Mas o interesse não é só do médico. O paciente deve ter acesso às informações também.Como os pacientes não tem obrigação de entender linguagem técnica ou os meandros do meio acadêmico, vamos às ferramentas de busca da internet.
Informações honestas e relevantes têm fonte, nome e sobrenome
Quando você escreve “dor nas costas” no campo de busca, aparecem 10 mil links e começa a peregrinação. Muitas vezes os primeiros resultados são propagandas, relatos de tragédias, nada que ajude muito. Segue minha sugestão: informações honestas e relevantes têm fonte, nome e sobrenome. Fuja de relatos pessoais, vagos e raivosos e evite também aqueles em que há uma sugestão de venda de algum produto. Histórias de superação são atraentes, mas muitas vezes não são a regra e, carregadas de emoção, podem alterar o foco da resposta.
Procure informações em sites em que existe responsabilidade pessoal ou institucional pelo conteúdo. Um bom começo são associações médicas (brasileiras ou internacionais), hospitais, universidades e grupos organizados de pacientes – há muita informação produzida para não médicos em linguagem clara e acessível. Um site brasileiro para o qual contribuo eventualmente e que é muito bem feito, sem propagandas de remédios ou tratamentos, é o doDr Drauzio Varella e pode ser um ótimo começo. Nos sites da Organização Mundial da Saúde, da ANVISA (para remédios) e do Ministério da Saúde também há bastante informação de boa qualidade. Informações sobre câncer podem ser procuradas no site do INCA (Instituto Nacional do Câncer).
A resposta que o artigo da The Atlantic dá é que a Wikipédia pode ser uma fonte útil principalmente se o artigo for escrito por profissionais, mas nunca é fonte definitiva. Acredito que pode ser uma boa introdução ao assunto, mas é pouco para ser tudo que um profissional de saúde vai usar para tomar uma decisão. Para o paciente, oferece informações valiosas, mas é preciso prestar atenção se há referências e de onde vêm. Artigos bem feitos são ricamente embasados.
Em 1970, o escritor e médico Michael Crichton (famoso por Jurassic Park, E.R, Congo) publicou um pequeno livro intitulado Five Patients (Cinco Pacientes, na tradução livre do inglês). Numa das histórias do livro, um computador tenta, usando de algoritmos sofisticados, realizar diagnósticos médicos. Nem na ficção isso funcionou. No final, nada substitui a consulta com um profissional preparado - mas já chegar sabendo de alguma coisa pode ajudar muito.
Carlos Jardim é médico. Formado e doutorado na Faculdade de Medicina da USP, é especialista em Pneumologia e Terapia Intensiva e membro de sociedades nacionais e internacionais de sua especialidade. Participa de atividades clínicas e acadêmicas no Incor/HCFMUSP e acredita na divulgação cientifica.

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