domingo, 4 de maio de 2014

Não curto a vida na Inglaterra

'Não curto a vida na Inglaterra': sorrah abre arquivo e revisita início de carreira de senna


Ayrton Senna (Richard Parramint)
Documentário investiga a relação de Ayrton Senna com a cidade de Norfolk, no leste da Grã-Bretanha
Um documentário de rádio da BBC trouxe à tona a história pouco conhecida - mas nem por isso menos movimentada ou dramática - de um dos momentos mais importantes na carreira de Senna: os anos em que ele viveu e correu na Inglaterra, antes de entrar na Fórmula 1.

A história começa com a chegada, em 1981, de um jovem Ayrton Senna da Silva à região de Norfolk, no extremo leste da Inglaterra.
A região já tinha atraído pilotos brasileiros antes, como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Chico Serra, Raul Boesel e Roberto Pupo Moreno, principalmente por duas razões: por abrigar uma conhecida escola de pilotagem, a Jim Russell Racing Driver School, e por abrigar também as principais fábricas e equipes ligadas à Fórmula Ford e Fórmula 3, categorias tidas como os principais degraus que levavam para a Fórmula Um

"Quando chegavam na Grã-Bretanha, muitos (dos pilotos brasileiros) não falavam uma palavra de inglês", contou à BBC o piloto inglês Martin Brundle, "e não sabiam nada além de aterrissar em Heathrow, chegar em Attleborough (Norwich) e procurar por Ralph Firman".
Firman era o dono da Van Diemen, a principal fábrica de carros de Fórmula Ford. Ele já tinha ouvido falar de Senna pela reputação conquistada nos anos em que correu no circuito de kart no continente europeu.
"Eu nunca tive dúvida de que ele seria muito especial", disse Firman. "Ele precisou de apenas duas ou três corridas para entender que o carro não é o mesmo que um kart, mas uma vez que pegou o jeito, nada pôde segurá-lo, era só ganhar, ganhar e ganhar."

Vida em Norfolk

Senna chegou a Norfolk em 1981 para correr para Ralph Firman e depois para Dennis Rushen, da equipe Rushen Green, em 1982. Ele dominou primeiro os campeonatos de Fórmula Ford na Grã-Bretanha e em seguida os europeus, e imediatamente deixou forte impressão no mundo do automobilismo.
Se adaptar à vida em Norfork levou um pouco mais de tempo, como lembra Dennis Rushen.
"Seu inglês era praticamente nulo. E quando ele se envolveu mais comigo e com os meus mecânicos, seu vocabulário era formado basicamente por palavrões, e ele inclusive me mandou um cartão de Natal com palavrões, porque na verdade ele não sabia exatamente o que estava dizendo!"
Senna vivia em Eaton, na periferia da cidade de Norwich, 160km ao noroeste de Londres.
Em entrevista à BBC em 1983, o piloto contou que "não curtia a vida na Inglaterra".
"O estilo de vida dos ingleses, mais o fator de eu ser brasileiro, de ter os meus amigos, a minha família, as minhas raízes no Brasil, influenciam automaticamente para que eu goste do meu país, goste de viver lá e não curta muito a Inglaterra", disse ele.
Para Senna, a vida em Norfolk era totalmente concentrada no automobilismo. "Vivo o automobilismo as 24 horas do dia. Só penso nas minhas corridas, nos meus treinos, e vivo em função disso."
"Nas minhas horas vagas eu trato da minha casa, tenho uma casa aqui, vivo sozinho, e trato das minhas coisas particulares, necessárias para qualquer pessoa. Fora isso é o tempo todo automobilismo, de vez em quando eu vejo alguns amigos, brasileiros também, que vivem aqui na Inglaterra, que fazem automobilismo. A minha atividade é corrida de automóvel, só no Brasil é que eu diversifico um pouco, eu gosto de esqui aquático, eu gosto de estar na minha casa, com minha família, gosto de música. No Brasil eu levo uma vida mais normal, mas na Inglaterra é uma vida específica ligada à minha profissão.
Depois de seu sucesso na Fórmula Ford, em 1983 Senna foi competir no campeonato de Fórmula 3 da Grã-Bretanha. Ele via a categoria como "importantíssima" para o seus planos de ingressar na Fórmula 1.
"Quanto melhor eu fizer a Fórmula 3, melhor vai ser a minha posição para ingressar na Fórmula 1, numa equipe melhor, com condições contratuais melhores", disse ele à BBC Brasil, no início da temporada de 1983.
"Tudo aquilo que eu consegui até hoje, em Formula Ford, Super Ford, atualmente na Fórmula 3, eu aplico na minha carreira, tenho à disposição a melhor equipe, o melhor equipamento, a infraestrutura necessária para que os resultados sejam os melhores possíveis."

Rivalidade

A temporada de Fórmula 3 foi marcada pela rivalidade com o melhor piloto britânico na época, Martin Brundle.
"As coisas começaram a ficar um pouco tensas", diz Brundle. "Estava tudo bem enquanto ele estava ganhando, o que aconteceu nas nove primeiras corridas, mas depois eu comecei a ganhar, e ele não gostou muito disso. Porque isso não combinava com ele. Ele era muito forte, muito rápido, naturalmente talentoso. E então nossos carros se bateram em Snetterton, em Oulton Park, e ele quase bateu em mim pela segunda vez em Oulton Park. Nós tivemos alguns momentos tensos."
Ayrton Senna na Lotus (BBC)
Ayrton Senna foi o último piloto a vencer um Grande Prêmio pela equipe Lotus
O sucesso de Senna o levou à Fórmula 1 no ano seguinte, para a pequena equipe Toleman. Mas em 85, o destino quis que ele voltasse para a região de Norfolk, ao assinar com uma equipe maior, a Lotus, baseada na cidade de Hethel.
Para Clive Chapman, filho do fundador da Lotus, Colin Chapman, os três anos em que Senna competiu pela escuderia representam os últimos dias de glória da equipe. Senna conquistou 6 vitórias pela escuderia britânica.
"Ele foi o último piloto a ganhar um Grande Prêmio pela Lotus (a escuderia original)", Clive explica. "Após um período de resultados inexpressivos, ele reviveu o período áureo da equipe. Ele estendeu a reputação da Lotus para além do meu pai, e isso foi ótimo para a equipe."
Em 1988, Senna foi para a McLaren, com quem viria a conquistar três campeonatos mundias, antes de sua trágica morte em Ímola, na Itália, aos 34 anos.
Mesmo assim, Senna continuou mantendo contato com o pessoal da região de Norfolk, que lembra dele com carinho.
"Ele era um cara muito legal", diz Ralph Firman. "Muito honesto, correto, e não tinha meias palavras. Era um gentleman".
*Com informações de Paul Hayes, BBC NorfolkHayes produziu e escreveu o documentário 'Ayrton Senna: The Boy From Brazil', para as rádios BBC Norfolk e Radio 5 Live.

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