Fernanda Abreu lança álbum inspirado em dramas pessoais
O amor pode transformar, preencher, angustiar e até impulsionar a criação. Tal sentimento, um dos mais estimados e, ao mesmo tempo, postos em segundo plano nas relações interpessoais no mundo contemporâneo, foi fonte direta de inspiração para Fernanda Abreu, cantora e compositora carioca.
Após viver a dor diária dos seis anos da mãe em coma, enfrentar o fim de um casamento de quase três décadas e fazer sessões de psicanálise para digerir essas experiências, ela reverteu o fim em novos ciclos, o luto em música.
Lançou Amor Geral, o primeiro álbum de inéditas em mais de dez anos, que chegou na semana passada às plataformas digitais e às lojas físicas. O trabalho possui 10 faixas, direção musical da própria compositora e participação do DJ norte-americano Afrika Bambaataa em Tambor, hit em potencial.
"Foram momentos ricos, de ressignificação da vida, da morte e de uma série de coisas. Terminar um casamento de 27 anos é uma família que se desconstrói. Algumas pessoas falavam: 'nossa, um fracasso!'. Mas, para mim, uma pessoa ficar casada tanto tempo hoje em dia é um sucesso. E a morte de minha mãe, claro, mexeu muito comigo, pois a gente nunca está pronto para um luto como esse do coma, em que a pessoa não morreu, mas também não está lá", conta Fernanda.
Pensamento otimista
Mesmo no período de desassossego, a cantora diz ter conservado o olhar positivo sobre os acontecimentos ao seu redor. "Se você me der um copo com metade de água, vou achar que ele está quase cheio e não que está quase vazio", compara.
A primeira pista estética de Amor Geral apareceu no clipe de Outro Sim, dirigido por Mini Kerti e lançado em abril. Dançante e alto-astral, a música remete às vivências de Fernanda na última década, porém, também inaugura um novo momento, tanto artístico quanto pessoal. Nos versos, "outra cabeça, sentença / outro recanto, encanto / outra viagem, vertigem em outro mar / outro sentido ou saída / outra maneira ou medida".
Sobre a exposição num álbum de tom íntimo, a cantora revela que não poderia ser diferente, pois a criação é conduzida pelo inconsciente e, portanto, reverbera na subjetividade. "Não é calculado, você se inspira e vai escrevendo". Contudo, Fernanda diz que nunca havia elaborado uma obra de conteúdo tão pessoal.
"Apesar de ter certa resistência, percebi que estava me expondo muito. Mas não tinha outra saída. Não tinha como fazer um disco diferente", diz a autora, de 54 anos, que integrou a banda Blitz na primeira metade da década de 1980.
Nesse sentido, a análise foi essencial para Fernanda ficar mais à vontade ao abordar essas questões. "É um lugar de reflexão importante em que você pode repensar, ressignificar e quebrar padrões. E, especialmente, refletir. É muito produtiva para o ser humano individual e coletivamente. Penso que a psicanálise seria importante para a saúde pública. Se pudesse ser uma coisa de graça ou com um valor pequeno, a sociedade seria muito mais avançada", opina.
Em Amor Geral, a cantora e compositora mantém as características mais relevantes da sua discografia solo, inaugurada em 1990 com SLA Radical Dance Disco Club. Cheia de groove, a carioca mistura sonoridades orgânicas e digitais, alternando funk, baladas e gêneros eletrônicos.
Climas variados
O álbum é pop, mas não cai na manufatura. Guiado por diferentes climas, ele vai da paixão em Deliciosamente e Valsa do Desejo, canções que resultam do relacionamento com o músico Tuto Ferraz, até a ansiedade, em Antídoto.
"Fiz esta para minha mãe e foi uma coisa muito louca, porque fiquei um tempo com dificuldade de dormir. Em uma madrugada, peguei o violão e comecei uma sequência harmônica e, de repente, apareceu uma melodia, que veio junto com a letra. Uma coisa maluca, que nunca me aconteceu".
A única faixa do disco que não é da cantora, Double Love Amor em Dose Dupla, foi composta por Fausto Fawcett e Laufer, os seus parceiros mais recorrentes. O trio, inclusive, assina a autoria da icônica Rio 40 Graus.
Virginiana e politizada, Fernanda explica ainda que, além dos motivos familiares, as transformações do mercado da música também contribuíram para o adiamento por mais de dez anos da nova obra inédita. Crítica tanto da pirataria, no início da década passada, quanto do atual modelo de remuneração dos autores nas plataformas de streaming, a cantora preferiu ficar apenas observando nos últimos anos.
"Parece que a música virou artigo gratuito. A crise começou com a pirataria e agora está na roda o streaming, que é uma espécie de aluguel, um catálogo gigante, mas que o compositor é muito mal pago".
Segundo Fernanda, o show de Amor Geral deve começar a rodar o Brasil em julho. No roteiro da turnê, ela tentará incluir Salvador. "Adoraria apresentar na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, que é um lugar espetacular".
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