Itamaraty faz cartilha para orientar comunidade LGBT no exterior
Há indicação para adoção de 'comportamento discreto' dependendo do país.
Subsecretário diz que objetivo é evitar preconceito, violência e até prisão.
“Uma das demandas surgidas na conferência foi que os agentes consulares brasileiros não estavam plenamente capacitados pra atender o público LGBT, então ficava uma situação desconfortável, sabe? Tipo, a transexual aparecia no Consulado do Brasil e o atendente ficava tratando-a pelo nome de batismo na frente de todo mundo. Esse tipo de situação, e isso não acontece, na maioria das vezes, por má-fé – pelo menos, queremos acreditar que não – mas por falta de informação, por não saberem que, nesses casos, você não precisa se referir à pessoa pelo nome de registro, e sim pelo nome social.”
O grupo trabalhava a princípio com a ideia de capacitar funcionários, mas decidiu expandir a abordagem depois de ser informado de experiências “ruins”: duas travestis que foram presas em Dubai depois de reclamarem para a polícia que se sentiam discriminadas – a homossexualidade é crime nos Emirados Árabes; outra foi presa no Cairo, no Egito, por suspeita de prostituição.
“Em alguns casos, essas pessoas poderiam ser condenadas à morte, imagine só!”, diz o subsecretário da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty. “Teve também um escândalo diplomático envolvendo o embaixador da Suíça na Nigéria, que era casado com um brasileiro. [...] Parece que saiu uma matéria [...] denunciando que ele era gay e que deveria ser punido.”
Para Marçal, a cartilha é uma oportunidade de fazer algo “antes do pior acontecer”. De acordo com o Itamaraty, o Brasil tem cerca de 3 milhões de pessoas morando no exterior. Tomando como base que LGBTs declarados no país representam 10% da população, a projeção é de que haja cerca de 300 mil em outros países.
“Pensamos que, antes de pior acontecer, deveríamos fazer um compêndio para que o público LGBT pudesse avaliar suas viagens de forma objetiva, levando em consideração aspectos como a legislação do país, a existência de padrão de crimes de violência de gênero, tendo contatos de instituições de apoio, etc. Aí juntamos a ideia da capacitação com essa parte do compêndio e decidimos criar um material bem completo”, diz.
As informações apontam como cada país lida com o assunto e que tipo de atendimento uma pessoa gay tem nas repartições do Brasil pelo mundo. A ideia, afirma Marçal, é garantir tratamento digno a qualquer cidadão que procurem os consulados, independentemente do que diz a lei local.
Os capítulos também abordam temas como inseminação artificial, barriga de aluguel e adoção por casais homoafetivos; acesso à saúde para cirurgias de mudança de sexo e tratamento hormonal; e respeito, tolerância e discriminação social. “Aqui falamos mais da sociedade do que das leis do país, porque pode ser que um país tenha leis inclusivas e uma sociedade conservadora ou mesmo vice-versa.”
A elaboração contou com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e de iniciativas estaduais, como projetos do Paraná. Também foram ouvidas as opiniões de representantes do Comitê de Gênero e Raça do Itamaraty e da Divisão de Direitos Humanos.
O subsecretário afirma que, antes do lançamento da versão oficial da cartilha, ONGs voltadas à causa LGBT podem ser consultadas. A equipe “fixa” tem sete pessoas. “Muita coisa ainda pode mudar, porque, como disse, o material ainda é preliminar, e precisamos ouvir o que dizem os representantes dos conselhos de cidadãos do Brasil.”
“Em relação a essa questão do comportamento, só para deixar bem claro: todo mundo é livre, claro, para fazer o que quiser. Mas, em alguns países, determinadas ações podem – e, em alguns casos, vão – te colocar em uma situação de risco. Essas recomendações não pretendem, de qualquer forma, ensejar eventual cenário de ‘culpabilização’ das vítimas, ‘você agiu dessa forma, logo a culpa é sua’. Sabemos que a ‘culpa’ por eventuais discriminações sofridas não será da própria pessoa LGBT por ter agido desta ou daquela forma.”
“Em relação a essa questão do comportamento, só para deixar bem claro: todo mundo é livre, claro, para fazer o que quiser. Mas, em alguns países, determinadas ações podem – e, em alguns casos, vão – te colocar em uma situação de risco. Essas recomendações não pretendem, de qualquer forma, ensejar eventual cenário de ‘culpabilização’ das vítimas, ‘você agiu dessa forma, logo a culpa é sua’. Sabemos que a ‘culpa’ por eventuais discriminações sofridas não será da própria pessoa LGBT por ter agido desta ou daquela forma.”
“O que queremos, apenas, é orientar a população LGBT sobre como se proteger e evitar situações de risco em determinados países à luz de eventual histórico de violência social local. E outras pessoas falam: ‘mas, se você é gay, por que você está indo para Mauritânia?’ Bom, eu sou gay, meu marido é gay e nós dois somos diplomatas. E aí, como fica?”, completa.
País ‘seguro’
O subsecretário explica que não é possível listar quais países são ou não preconceituosos. “Avaliar segurança com base no respeito e a tolerância social é algo muito subjetivo. O Brasil, por exemplo, tem legislação bem inclusiva, mas há vários casos de crimes homofóbicos.”
O subsecretário explica que não é possível listar quais países são ou não preconceituosos. “Avaliar segurança com base no respeito e a tolerância social é algo muito subjetivo. O Brasil, por exemplo, tem legislação bem inclusiva, mas há vários casos de crimes homofóbicos.”
Ele diz partir da premissa de que nenhum país é seguro. “Com base estritamente na legislação, pode-se dizer que o Caribe anglófono, alguns países da África Subsaariana e do continente asiático e, claro, o Oriente Médio, no geral, possuem algumas das leis mais rígidas. Há claro, exceções.”
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