quinta-feira, 23 de junho de 2016

Itamaraty faz cartilha para orientar comunidade LGBT no exterior

Itamaraty faz cartilha para orientar comunidade LGBT no exterior

Há indicação para adoção de 'comportamento discreto' dependendo do país.
Subsecretário diz que objetivo é evitar preconceito, violência e até prisão.


Escultura "Meteoro" em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, sem o espelho d'água (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)Escultura 'Meteoro' em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, sem o espelho d'água (Foto: Vianey Bentes/TV Globo)
“Uma das demandas surgidas na conferência foi que os agentes consulares brasileiros não estavam plenamente capacitados pra atender o público LGBT, então ficava uma situação desconfortável, sabe? Tipo, a transexual aparecia no Consulado do Brasil e o atendente ficava tratando-a pelo nome de batismo na frente de todo mundo. Esse tipo de situação, e isso não acontece, na maioria das vezes, por má-fé – pelo menos, queremos acreditar que não – mas por falta de informação, por não saberem que, nesses casos, você não precisa se referir à pessoa pelo nome de registro, e sim pelo nome social.”
Em relação a essa questão do comportamento, só para deixar bem claro: todo mundo é livre, claro, para fazer o que quiser. Mas, em alguns países, determinadas ações podem – e, em alguns casos, vão – te colocar em uma situação de risco. Essas recomendações não pretendem, de qualquer forma, ensejar eventual cenário de ‘culpabilização’ das vítimas, ‘você agiu dessa forma, logo a culpa é sua’. Sabemos que a ‘culpa’ por eventuais discriminações sofridas não será da própria pessoa LGBT por ter agido desta ou daquela forma"
Geórgenes Marçal,
subsecretário da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty
O grupo trabalhava a princípio com a ideia de capacitar funcionários, mas decidiu expandir a abordagem depois de ser informado de experiências “ruins”: duas travestis que foram presas em Dubai depois de reclamarem para a polícia que se sentiam discriminadas – a homossexualidade é crime nos Emirados Árabes; outra foi presa no Cairo, no Egito, por suspeita de prostituição.
“Em alguns casos, essas pessoas poderiam ser condenadas à morte, imagine só!”, diz o subsecretário da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty. “Teve também um escândalo diplomático envolvendo o embaixador da Suíça na Nigéria, que era casado com um brasileiro. [...] Parece que saiu uma matéria [...] denunciando que ele era gay e que deveria ser punido.”
Para Marçal, a cartilha é uma oportunidade de fazer algo “antes do pior acontecer”. De acordo com o Itamaraty, o Brasil tem cerca de 3 milhões de pessoas morando no exterior. Tomando como base que LGBTs declarados no país representam 10% da população, a projeção é de que haja cerca de 300 mil em outros países. 
“Pensamos que, antes de pior acontecer, deveríamos fazer um compêndio para que o público LGBT pudesse avaliar suas viagens de forma objetiva, levando em consideração aspectos como a legislação do país, a existência de padrão de crimes de violência de gênero, tendo contatos de instituições de apoio, etc. Aí juntamos a ideia da capacitação com essa parte do compêndio e decidimos criar um material bem completo”, diz.
As informações apontam como cada país lida com o assunto e que tipo de atendimento uma pessoa gay tem nas repartições do Brasil pelo mundo. A ideia, afirma Marçal, é garantir tratamento digno a qualquer cidadão que procurem os consulados, independentemente do que diz a lei local.
Os capítulos também abordam temas como inseminação artificial, barriga de aluguel e adoção por casais homoafetivos; acesso à saúde para cirurgias de mudança de sexo e tratamento hormonal; e respeito, tolerância e discriminação social. “Aqui falamos mais da sociedade do que das leis do país, porque pode ser que um país tenha leis inclusivas e uma sociedade conservadora ou mesmo vice-versa.”
A elaboração contou com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e de iniciativas estaduais, como projetos do Paraná. Também foram ouvidas as opiniões de representantes do Comitê de Gênero e Raça do Itamaraty e da Divisão de Direitos Humanos.
O subsecretário afirma que, antes do lançamento da versão oficial da cartilha, ONGs voltadas à causa LGBT podem ser consultadas. A equipe “fixa” tem sete pessoas.  “Muita coisa ainda pode mudar, porque, como disse, o material ainda é preliminar, e precisamos ouvir o que dizem os representantes dos conselhos de cidadãos do Brasil.”

“Em relação a essa questão do comportamento, só para deixar bem claro: todo mundo é livre, claro, para fazer o que quiser. Mas, em alguns países, determinadas ações podem – e, em alguns casos, vão – te colocar em uma situação de risco. Essas recomendações não pretendem, de qualquer forma, ensejar eventual cenário de ‘culpabilização’ das vítimas, ‘você agiu dessa forma, logo a culpa é sua’. Sabemos que a ‘culpa’ por eventuais discriminações sofridas não será da própria pessoa LGBT por ter agido desta ou daquela forma.”
“O que queremos, apenas, é orientar a população LGBT sobre como se proteger e evitar situações de risco em determinados países à luz de eventual histórico de violência social local. E outras pessoas falam: ‘mas, se você é gay, por que você está indo para Mauritânia?’ Bom, eu sou gay, meu marido é gay e nós dois somos diplomatas. E aí, como fica?”, completa.
País ‘seguro’
O subsecretário explica que não é possível listar quais países são ou não preconceituosos. “Avaliar segurança com base no respeito e a tolerância social é algo muito subjetivo. O Brasil, por exemplo, tem legislação bem inclusiva, mas há vários casos de crimes homofóbicos.”
Ele diz partir da premissa de que nenhum país é seguro. “Com base estritamente na legislação, pode-se dizer que o Caribe anglófono, alguns países da África Subsaariana e do continente asiático e, claro, o Oriente Médio, no geral, possuem algumas das leis mais rígidas. Há claro, exceções.”

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