sexta-feira, 27 de maio de 2016

Abri mão do meu país e de uma vida luxuosa para ter um filho!

Abri mão do meu país e de uma vida luxuosa para ter um filho!

Como sou homossexual e na França a barriga de aluguel é proibida, passei a viver no Brasil para realizar meu grande sonho



O francês Luc Bouveret abriu mão de uma vida de luxo e de uma carreira bem-sucedida como antiquário e decorador em Paris para realizar o sonho de ter um filho. Homossexual, recorreu à doação de óvulos e à barriga de aluguel para se tornar pai de Tancrède, desafiando as leis francesas, que criminalizam o procedimento. Com o companheiro, David, pai biológico de Elzear,  mudou-
se para o Brasil, onde passou a atuar como terapeuta. Em 2015, quando Tancrède adoeceu gravemente, Luc lançou um apelo pelas redes sociais para encontrar uma medula cem por cento compatível com o filho – e conseguiu o que parecia impossível. Confira alguns trechos de seu livro, O Homem que Deu à Luz – A Luta de um Pai para Gerar (e curar) seu Filho: 

Àquela altura, a vontade de ter um bebê se revelou incontornável. Já fazia tempo que eu queria gerar um filho, mas demorei a assumir tal desejo – e não pelo fato de ser homossexual. Sempre considerei que uma criança deve nascer de dois seres que se amam e crescer sob o abrigo desse amor. No entanto, depois de passar anos a fio observando ao redor, cheguei a uma triste conclusão: a porcentagem de meninos e meninas educados por pais que estão juntos é cada vez menor. Quantos pequenos não acabam dilacerados pelas separações conjugais? Quantos não ficam marcados para a vida toda pela ausência de um dos progenitores, ocupado demais ou que partiu antes da hora? Quantos não se encontram abandonados num pensionato ou orfanato? Quem são, afinal, esses casais que fazem sua prole pagar pela união fracassada? Li certa vez que, na França, onde eu vivia, só 12% dos pais casados chegavam juntos ao fim da vida. 

(...) Durante dez anos, pensei milhares de vezes no assunto: caso tivesse um bebê, será que conseguiria fazê-lo crescer rodeado de amor? Privá-lo disso significaria lhe impor uma pequena morte, sua primeira ferida, já tão brutal. Daí minha hesitação em assumir íntima e publicamente o desejo da paternidade.

Em agosto de 2003, firme em meu projeto, viajei para a Califórnia. Lá, diferentemente do ambiente de clandestinidade de Phoenix, tudo foi organizado de modo legal e oficial. Existiam agências para doadoras de óvulos e para barrigas de aluguel, assim como advogados especializados nesses procedimentos. Mesmo assim, foram necessários sete meses de trabalhos diários, em contato constante com órgãos governamentais, hospitais, médicos, laboratórios, agências, hotéis etc. Sete meses importantes para que meu bebê existisse em uma realidade tangível. Eu tinha consultado dezenas e dezenas de perfis de doadoras de óvulos em fichas minuciosamente preenchidas por profissionais. Era preciso escolher a mãe genética do meu bebê! Isso me parecia loucura. Era uma escolha quase impossível, e ainda assim fundamental.

Passei semanas consultando fotos, resultados de exames físicos, mentais e intelectuais, mais históricos médicos e biológicos remontando a três gerações. Páginas e páginas de dossiês intermináveis. A própria existência do meu filho tão esperado estava em compasso de espera devido à escolha subjetiva de uma mãe genética. Eu precisava impor critérios a mim mesmo ou não chegaria a lugar nenhum. A cor dos cabelos, a cor dos olhos, a altura, o peso, o QI, a personalidade: informações que me pareciam tão fúteis, mas que precisava levar em conta. Por eliminação, acabei escolhendo uma moça muito bonita. 

Aylin era piloto de caça da Marinha norte-americana. Tinha nascido nos Estados Unidos, filha de um casal de biólogos, imigrantes que vieram da Turquia na década de 60. Seu pai era alto, de rosto forte e quadrado, com olhos verdes. A mãe era de origem búlgara, com pele clara, olhos azuis – parecia uma atriz de cinema. Aquela mistura me agradava. Queria que meu filho fosse do Mundo, que se sentisse cidadão da Terra antes de tudo, sem distinção de cultura ou de raça. Aylin tinha algo muito envolvente, uma gentileza, uma potência de caráter evidente. Intuí tudo isso a partir de algumas fotos e frases de um questionário. (...) No dia em que ela doou os óvulos, cheguei logo depois dela ao laboratório – pelas regras, não poderíamos nos encontrar em hipótese nenhuma. Não pude deixar de questionar os funcionários a respeito de sua aparência. As respostas foram muito vagas, e a única palavra de que me lembro é “bonita”.
 
Depois disso, precisei escolher a outra fada, aquela que aceitaria carregar Tancrède, alimentá-lo em seu ventre e trazê-lo ao mundo. Uma fada que operasse milagres. Foi um encontro pacífico e simples. Tricia, uma dona de casa de San Diego, era maternal, amável, sensível, instintiva, protetora, aberta, generosa. Estava ansiosa para participar da nossa nova vida, a vida que eu viveria com Tancrède – ela era a chave dela, e também nos escolheu. Era bonita e tinha um imenso sorriso, que não abandonava seu rosto. Seu marido, um militar, participou do nosso primeiro encontro e era muito presente na vida da esposa. Percebi nela uma maneira muito particular de se comunicar com os filhos. Durante toda a gravidez, foi um enorme conforto saber que ela era boa com meu menininho.

Precisei de alguns segundos para me dar conta do que estava acontecendo. Meu bebê estava lá, finalmente... Tricia estava grávida! Abri os braços e levantei a cabeça para o céu. Gritei: “SIIIIIIM...!” Eu estava feliz, extasiado, porque tinha dividido minha vida: um ser novo estava para vir e eu nunca mais estaria sozinho. Eu me sentia um homem pela primeira vez, porque tinha sido capaz de dar a vida. A partir desse momento, passei a telefonar para Tricia duas ou três vezes por semana para saber se estava tudo bem. Esperava as fotos com impaciência. Tremia de alegria quando a correspondência chegava.
Já no processo de concepção de Tancrède, conheci João, um amor que teve papel fundamental na realização do meu desejo. Acredito firmemente que ele desembarcou na minha vida como um enviado do céu para fortalecer minha confiança e para me dizer que não perdesse a determinação. Eu escutava sua alma sussurrar para mim: “Escute seu coração incondicionalmente, como sempre fez; o importante é ter fé”. 

Aquele encontro me encheu de alegria, de esperança e também de desespero. Achei que nunca mais voltaria a vê-lo, pois morava em outro país, que à época me pareceu tão remoto – o Brasil. Daí a confiança para desvelar meu segredo. Falei a ele sobre Tancrède com emoção. Ele me ouviu com interesse e respondeu, cheio de doçura: “Se esse é mesmo o seu desejo, vá em frente e o realize! Ter filhos é a coisa mais linda do mundo”. Ele tinha dois. Seu coração havia falado. Nenhum julgamento, nenhum entusiasmo desmedido; ele foi verdadeiro em sua frase simples. Era óbvio que meu futuro não seria com ele; tudo nos separava. Mas, de alguma forma, sabia que aquela noite tinha contribuído para transformar minha existência, sem ter a menor ideia de como isso iria se dar.

Quarenta minutos depois, às 15h40, meu bebezinho apareceu, todo cor-de-rosa, no carrinho transparente empurrado por uma senhora. Tancrède tinha nascido às 15h20. Ele se contorcia, mas não chorava. Estava com os olhos fechados e era magnífico. Eu sorria, em êxtase. Meu olhar tinha se soldado a seu rosto. Uma lágrima deslizou tranquila pela minha bochecha. A senhora sugeriu que eu pegasse na mão dele: “Não, não quero estragá-lo, agora não...” Eu queria estar pronto para acariciá-lo. Queria que nosso primeiro contato físico fosse sagrado. Ela se afastou empurrando o berço transparente e desapareceu atrás de duas grandes portas automáticas.
A doença que quase matou meu menino

Os dias seguintes foram de pânico e incerteza. Perdi a conta de quantos exames Tancrède fez. Os médicos tinham dificuldade em definir a doença. O tempo todo a palavra leucemia pairava no ar. (...) A especialista prosseguiu na explicação: era uma doença tão rara em crianças que pouco se sabia sobre a melhor forma de tratá-la. Disse também que, se evoluísse para uma forma aguda da doença, o quadro ficaria ainda mais delicado. Qualquer que fosse o caso, era preciso achar rapidamente um doador de medula óssea. Sem isso, Tancrède morreria.

Como era possível EU SALVAR MEU FILHO? Eu não era médico, não era um santo que podia fazer milagres, não era Deus; então, quem eu era para salvar meu filho? Então procurei, procurei, mas não achava nenhuma solução. A única solução que encontrei nem era uma solução: PEDIR AJUDA. Pedir socorro a todos. Mas logo descobri que, sim(!), era essa a solução, porque foi assim que tudo começou e que o milagre aconteceu. (...) A alternativa mais abrangente me pareceu ser, desde o início, apelar às redes sociais e à mídia. E assim o movimento começou. Alertei os amigos, os clientes, os vizinhos, que por sua vez alertaram também os amigos, os vizinhos e todos ao redor. 

Mas foi dentro da escola do meu filho, graças a um grupo poderoso de mães, que o movimento se tornou mais ativo. Elas trabalharam incansavelmente para incentivar os cadastros de medula e as pesquisas. (...) Uma chama nasceu no coração de cada pessoa, criando um imenso fogo pleno de luz que alcançou o planeta inteiro. Uma corrente verdadeira que envolveu a todos que se somavam ao processo, criando uma frequência de cura! 


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