Por que é difícil namorar no país europeu com a maior proporção de solteiros
A ideia de namorar na Suécia pode evocar fantasias românticas, como jantares à luz de velas em apartamentos nórdicos minimalistas ou caminhadas na neve na companhia de parceiros que gostam da natureza e têm corpos esculturais.
A realidade para profissionais expatriados que moram no país e esperam encontrar ali sua cara-metade, no entanto, é outra.
De acordo com estatísticas nacionais, mais de meio milhão de estrangeiros em idade ativa mora hoje na Suécia, país que tem a maior proporção de solteiros na Europa. Mas começar um relacionamento amoroso tem se provado um desafio para essa parcela da população.
Quase metade das moradias suecas é ocupada por adultos solteiros e sem filhos - número acima da média de menos de um terço em todo o restante da Europa, segundo a Eurostat, agência de estatística da União Europeia.
Esse cenário pode não parecer ruim para um expatriado solteiro que acabou de chegar ao país. No entanto, por trás dos números está uma norma cultural que quase promove a solteirice.
As cidades suecas estão cheias de lares compactos, que foram cuidadosamente projetados para facilitar a vida independente.
Até mesmo na capital Estocolmo, que vive uma grande crise habitacional, ainda é mais barato morar sozinho do que em outras grandes cidades que atraem talentos internacionais, como Londres ou San Francisco.
Para estrangeiros como a brasileira Raquel Altoe, de 34 anos, a singularidade de trabalhar em uma das sociedades com mais solteiros do planeta tem uma desvantagem distinta.
"Eu me mudei para cá há três anos, ainda estou solteira e é uma situação super frustrante porque eu amo todos os outros aspectos da Suécia", disse ela, que trabalha para uma start-up em Estocolmo, e, assim como muitos outros em sua faixa etária, espera ter um relacionamento estável.
"Eu não tenho nenhum problema em conseguir um primeiro encontro", explica Raquel. "Mas encontrar algo de longo prazo é muito mais difícil aqui."
Vida de solteiro sueca
A Suécia aparece com frequência em rankings que classificam os países mais atraentes no mundo para expatriados graças ao seu alto padrão de vida, uma cultura de trabalho com horas flexíveis e natureza abundante.
Os suecos também são os melhores no mundo em falar inglês como uma segunda língua, o que ajuda recém-chegados a ter uma transição mais suave.
No entanto, um relatório divulgado pela agência de pesquisas Estatísticas Suécia em 2015 revelou que apenas uma entre quatro pessoas que chegaram ao país solteiras encontrou um parceiro depois de cinco anos.
O estudo ainda concluiu que migrantes que mudaram por razões econômicas de outros países nórdicos e da União Europeia são ainda menos propensos a se unir com um sueco do que aqueles que se mudaram para o país por motivos familiares ou fugindo de conflito.
"É bastante surpreendente que, duas décadas depois da entrada da Suécia na UE, nós ainda observemos os mesmos padrões", disse Andreas Raneke, analista de população que liderou a pesquisa.
"Você imaginaria que teria se tornado muito mais comum para suecos formarem famílias com um estrangeiro, graças à liberdade de movimento e ao aumento da imigração."
Solteiro há dois anos, o britânico Michael Olaye, de 31 anos, que trabalha em marketing no país, acredita que os suecos valorizam sua independência muito mais do que qualquer outra nacionalidade.
"As pessoas não gostam de falar que estão 'namorando' na Suécia. Há uma enorme pressão ligada a essa palavra", explica ele.
"Eu conheci muitas mulheres bonitas que querem passar algum tempo acompanhadas, mas tudo tende a ser de bastante curto prazo... Eu estou procurando por algo mais sério agora."
Independente e solitário?
O psicoterapeuta americano David Schultz, que mora na Suécia há 13 anos, acredita que a dificuldade de expatriados em namorar no país está relacionada a diferenças culturais que são mais amplas do que apenas a mentalidade independente dos suecos.
"Muitos dos meus pacientes têm dificuldade em socializar aqui no geral. A população sueca não costuma interagir com estranhos em áreas públicas, como no metrô, em ônibus ou em supermercados", afirmou Schultz. "Então pode parecer uma sociedade solitária para um estrangeiro."
Para Schultz, embora nem todos os solteiros estejam solteiros por escolha própria, os suecos talvez sejam menos convencionais do que outras nacionalidades em se tratando de relacionamentos graças a uma sociedade mais "liberal".
"Você pode estar com alguém, mas não viver junto, casamento não é uma instituição muito forte, você pode ter filhos e não ser casado. De uma certa maneira, é uma cultura completamente diferente (em relação a muitos outros países)."
A forte ênfase na igualdade de gênero do país nórdico também faz com que mulheres sejam muito menos dependentes financeiramente de homens do que na maioria de outros países.
A média de idade para um primeiro casamento é de 33 anos para mulheres e 35.7 anos para homens, segundo a Eurostat.
Nos EUA, a idade para mulheres é de 27 anos e para homens, 29 anos. Já no Brasil, a idade média dos homens no dia do casamento é de 30 anos e a das mulheres, 27 anos, de acordo com estatísticas do Registro Civil de 2014 divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As despesas com filhos na Suécia também são altamente subsidiadas, fazendo com que mães sejam menos dependentes de um parceiro para complementar a renda. O índice de divórcios ali é o mais alto da UE.
"É bem diferente para mim, que vim de uma cultura muito mais machista", disse a brasileira Raquel Altoe.
"Eu não tenho problema nenhum em dividir uma conta, mas tudo isso pode ser bem confuso. Será que eu deveria ser mais assertiva aqui? Será que eu deveria tomar a iniciativa? Ou eu ainda espero o homem dar o primeiro passo?"
Mas as normas mais igualitárias da Suécia também beneficiam muitos expatriados, incluindo a americana Rachel Matchett, de 36 anos. Ela mudou para Estocolmo com seu então marido búlgaro - e hoje está divorciada.
"Nós nos separamos (aqui) quando meu filho tinha três anos e era mais barato morar na Suécia, de uma maneira que não seria possível nos EUA ou no Japão, onde vivíamos antes", disse Rachel, que hoje tem um namorado.
Ela acrescenta que a creche "praticamente de graça" também contribui bastante para ter uma vida independente.
Tempo e lealdade
Cofundadora da Bee Swedish, uma empresa sueca de comunicação cultural e idiomática, Djina Wilk, de 39 anos, aconselha expatriados que não se sentem confortáveis usando sites e aplicativos para namoro a investir tempo em conhecer os moradores locais aos poucos em cursos noturnos ou por meio de atividades esportivas.
"Os suecos no começo podem parecer frios e menos emotivos do que os outros", afirmou Djina, que já morou na Alemanha, Irlanda, EUA e Reino Unido.
"Se você está fazendo uma atividade, há menos pressão para falar. E é algo que vocês já têm em comum e podem fazer juntos independentemente de seu idioma ou origem", disse ela. "Os suecos são calorosos e leais uma vez que se aproximam de você."
Apesar dos desafios de se relacionar, o magnetismo da Suécia para talentos internacionais fica evidente no fato de que a maioria dos solteiros recém-chegados acaba ficando no país no médio-prazo.
De acordo com a agência Estatísticas Suécia, dois terços daqueles que chegaram sem um parceiro entre 1998 e 2007 ainda estavam vivendo no país nórdico depois de cinco anos.
Histórias de sucesso
E, é claro, alguns dos estrangeiros acabam encontrando o amor.
O economista e empreendedor de fitness australiano Dan Paech, de 32 anos, encontrou sua namorada sueca há pouco mais de um ano.
Ele disse que ambos foram estimulados por uma "confiança abastecida por álcool" depois que ela começou a conversar com ele em um evento de música ao ar livre em Estocolmo.
"Mas, antes de eu conhecer minha namorada, se relacionar era bastante difícil. Eu sentia com bastante frequência que não deixavam eu me aproximar", disse ele. "O fato de não ser sueco já te deixa automaticamente em desvantagem."
Para Paech, um dos problemas para expatriados na Suécia (e talvez em outros lugares) é a preocupação de que você sinta saudades de casa e queira voltar ao seu país de origem.
"Agora eu estou em um relacionamento em que isso é uma questão sempre bastante discutida."
A brasileira Raquel Altoe pensa em ficar - mesmo sem um namoro. "Se eu estiver feliz no trabalho e tendo uma vida divertida, provavelmente continuarei na Suécia mesmo que eu permaneça solteira."
Já para Michael Olaye, que passou a maior parte dos seus 20 anos na Suécia, a decisão de ficar não é tão certa.
"Não acho que tenho a mesma visão de vida que muitos dos suecos", disse ele. "Sou mais barulhento, mais como uma criatura do caos. Quero encontrar alguém, mas no momento não estou conhecendo ninguém que faça com que eu fique aqui para sempre."
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