Corrida por mão de obra faz Apple e outras gigantes oferecerem curso universitário
Em meio a preocupações crescentes com a falta de mão de obra preparada para os trabalhos do futuro, gigantes da tecnologia como a Apple tentam formar suas próprias gerações de jovens com habilidades digitais.
No ano passado, a empresa abriu uma escola em Nápoles, na Itália, onde estudantes passam um ano aprendendo a ser desenvolvedores, codificadores, criadores de apps e empreendedores de startups.
As vagas para o próximo ano letivo da Developer Academy - abertas até esta quarta-feira, pelo site https://www.developeracademy.unina.it/en/call-for-applications/ - são ofertadas a alunos do mundo inteiro, por meio de concurso e provas que serão aplicadas no mês que vem em Munique, Paris, Londres, Madri, Roma e Nápoles. O curso é gratuito e ensinado em inglês.
A próxima turma terá 400 alunos (o dobro da turma do ano passado), provavelmente de 18 a 30 anos de idade, e começará as aulas em outubro, no campus da universidade italiana Federico II.
"O programa vai focar em desenvolvimento de software, criação de startups e projetos de apps para (sistema) iOS, com ênfase em criatividade e colaboração para empoderar e preparar estudantes no desenvolvimento de habilidades que eles precisam para ser bem-sucedidos", diz o programa do curso.
Para uma empresa como a Apple, um investimento tão direto em educação tem tanto a ver com ação social quanto com interesse próprio - de preparar mão de obra própria e habilidosa.
Em menos de uma década, aplicativos digitais se tornaram uma das mais importantes fontes de receita da Apple.
A empresa calcula haver hoje 2 milhões de apps em sua loja online - e isso, apenas na Europa, sustenta em torno de 1,2 milhão de empregos.
A Developer Academy é também a resposta de empresas tecnológicas a um problema global: o temor de que não haja gente suficientemente capacitada para ocupar futuros empregos ligados à criatividade e à tecnologia.
Abismo
Teme-se um grande abismo entre oferta e demanda: empregadores não conseguiriam preencher suas vagas hiperqualificadas ao mesmo tempo em que milhões de funcionários ficariam à deriva, sem emprego, por não terem as habilidades necessárias para o mercado.
Só no Reino Unido, as câmaras britânicas de comércio queixaram-se recentemente de que três em cada quatro empresas do país sofrem de uma "escassez de habilidades digitais".
Um exemplo recente disso foi o ataque cibernético - um "ransomware" - que afetou sistemas de informática em centenas de países, evidenciando uma escassez de profissionais especializados em segurança digital.
Outra gigante da informática, a IBM, também levanta preocupações a respeito.
A empresa mantém sua própria uma rede internacional de cooperação com universidades em projetos de cibersegurança. Em 2014, anunciou parceria com 28 escolas de negócios e universidades para "ajudar a preparar estudantes para 4,4 milhões de empregos que serão criados ao redor do mundo para apoiar (o uso de) 'big data'".
Em artigo na Harvard Business Review, o gerente-geral de segurança da IBM, Marc van Zadelhoff, disse que será necessário também expandir o treinamento para os empregados que não trabalham diretamente nas áreas de tecnologia.
"Por que estamos limitando os empregos nas áreas de segurança às pessoas com quatro títulos (acadêmicos) em ciência da computação, quando o que precisamos urgentemente é de várias habilidades em diferentes indústrias?", questionou.
"As empresas deveriam se abrir para candidatos cujas origens não tradicionais resultem em novas ideias ao cargo e ao desafio de melhorar a segurança cibernética."
Esquecidos pela globalização
Há, ainda, uma dimensão política relacionada às habilidades necessárias para uma economia moderna, diz a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em relatório publicado neste mês.
A organização, que reúne majoritariamente países desenvolvidos, cita o efeito polarizador da globalização ante os crescentes protestos e o descontentamento popular tanto na esquerda quanto na direita.
Para a OCDE, as habilidades da população de cada país determinarão o nível de desenvolvimento dessas nações: um país com gente altamente qualificada se beneficiará da globalização, ganhando para si os melhores empregos, produtividade elevada, mercados consumidores mais amplos e indústrias digitais.
Entre os países na dianteira desse processo a OCDE inclui a Coreia do Sul e a Polônia, além de Estônia, Japão e Nova Zelândia - esses últimos citados como países que têm tirado vantagem da expansão de seus setores tecnológicos.
Empregos escassos
Entre as grandes economias, a Alemanha se destaca em relação aos EUA no desenvolvimento de habilidades.
Mas a grande preocupação é com as centenas de milhões de pessoas pelo mundo - Brasil incluído - com baixa qualificação em leitura e matemática, altamente vulneráveis às forças da globalização e à extinção de empregos.
Adultos com habilidades literárias semelhantes às de crianças de 10 anos estão sendo rapidamente substituídos por trabalhadores terceirizados ou por máquinas.
Andreas Schleicher, diretor educacional da OCDE, afirma que há uma urgência social e política em equiparar as qualificações profissionais ao redor do mundo para evitar as duras rupturas derivadas da globalização.
"Não espere que os trabalhadores vão aceitar perder seu trabalho para a terceirização ou a automação se eles não estão preparados para conseguir ou criar empregos novos", diz Schleicher.
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