terça-feira, 7 de junho de 2016

Lugar de fã é apoiando (ou não) a obra. Fora disso, é bullying e censura

Lugar de fã é apoiando (ou não) a obra. Fora disso, é bullying e censura


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O Capitão América agora é um vilão. O Universo DC está sofrendo (mais um) renascimento. A equipe de Rogue One, filme ambientado no universo Star Wars, prepara-se para rodar cenas adicionais. A Fox coloca no billboard de divulgação de seu X-Men: Apocalipse, uma imagem com o vilão do filme atacando uma de suas protagonistas. Mais um dia normal na cultura pop, certo?
Bom, mais ou menos. As últimas semanas tem sido mais estranhas que o habitual para quem acompanha filmes, séries ou histórias em quadrinhos. Não por decisões de seus autores/produtores, mas pela reação de um determinado tipo de fã por guinadas em personagens, etapas na produção de um longa ou estratégias de marketing. Foi-se o tempo em que fãs amavam ou odiavam o que acontecia em torno de seu objeto de desejo e seu protesto se resumia a reclamar um monte e, ocasionalmente, fechar a carteira. Empoderados pelas redes sociais, eles se acham no direito de interferir no trabalho de um artista, bater boca, exigir mudanças no ato e, em alguns casos, ameaçar de morte.
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Kathy Bates como Annie Wilkes, a fã maluca de Louca Obsessão
É o “fã Annie Wilkes”, termo disseminado pelo blogueiro americano Devin Faraci, do site Birth Movies Death, para os mais xiitas. A referência é a personagem de Misery, romance de Stephen King levado ao cinema em 1990 como Louca Obsessão. Na história, Paul Sheldon (James Caan) é um escritor de romances açucarados que, para mudar o foco de sua obra, decide matar sua personagem mais famosa, Misery Chastain. Um acidente de carro o coloca sob os cuidados de Annie (Kathy Bates), não por acaso a maior fã de Misery. Ela lê a prova do livro final que ele levava à sua editora e, revoltada, exige que Sheldon escreva um novo livro, ressuscitando a heroína. O pedido não é pacífico, envolvendo manter o escritor numa cama, ameaçado com vilência extrema, e imobilizado após Annie arrebentar seus tornozelos com uma marreta.
Não seria estranho, então, ver um #SomosTodosAnnieWilkes ao lado de cada reação contrária ao destino de Steve Rogers, o Capitão América. Em sua nova série mensal, o herói recupera a juventude (o soro que o manteve jovem desde a Segunda Guerra havia perdido o efeito) e volta a combater o mal. No último painel do gibi, porém, o Capitão atira um aliado de um avião em pleno voo, olha para outro cativo e solta um “Salve a Hydra”, mostrando sua aliança à organização criminosa iniciada antes ainda da ascenção do Nazismo. A conclusão foi uma só: o Capitão, em mais de 75 anos de gibis, sempre foi um vilão, infiltrado entre os heróis com algum propósito nefasto.
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Uma frase e BUM! O Capitão América agora é um vilão!
Não demorou para o twitter do roteirista Nick Spencer ser inundado por mensagens de ódio e indignação, com acusações de ele ter pervertido a memória dos criadores do herói, Joe Shuster e Jack Kirby, e o feito por puro choque. O editor da Marvel, Tom Brevoort, garantiu que é para valer, e não fruto de clonagem ou lavagem cerebral. O resultado? Brevoort foi ameaçado de morte por um leitor que se diz ex-fuzileiro naval, que lhe mandou uma mensagem encerrada com um “Não importa onde, não importa quanto tempo demore, mas vou lhe tirar a vida”.
Pode ser extremismo, mas em meu feed no facebook, alimentado por muitos leitores de quadrinhos, a reação foi parecida, com fãs profetizando o fim da Marvel e a destruição do Capitão América. Mas essas pessoas precisam prestar mais atenção à louça acumulada em suas respectivas pias. Afinal, não passa de mais uma trama que serve, em primeiro lugar, para chacoalhar o status quo e levar o personagem a novos caminhos. Ou seja, nada mais positivo. Quando o Homem-Aranha teve sua mente tomada pela do Dr. Octopus, que assumiu a identidade de Peter Parker e se tornou um “Homem-Aranha Superior”, a gritaria foi semelhante. Mas, no fim, a trama desenvolvida pelo roteirista Dan Slott foi uma das melhores que o Aracnídeo teve em muitos anos – e ele já voltou a ser Peter Parker, claro.
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Elsa de Frozen: alguns fãs, vai saber o motivo, querem que ela seja lésbica
Indignação com uma história que vai de encontro com uma certa zona de conforto existe de longa data. A diferença agora é justamente a internet. Vozes anônimas empoderadas por seu alcance e proteção por trás de um teclado deixaram o trabalho artístico mais complicado, principalmente quando o produto desperta muita paixão. Tudo bem não concordar com o rumo que uma editora dá a um personagem. Exigir sua mudança, no entanto, é bullying e censura ao mesmo tempo. A verdade é que lugar de fã é apreciando ou não uma obra, e não com o dedo cutucando seus autores para atingir sua própria satisfação. A longo prazo, o resultado seriam histórias deficientes, fruto de um medo corporativo em desagradar sua base de fãs – mesmo que os mais estridentes sejam uma minoria.
É o caso da animação Frozen e do novo X-Men: Apocalipse. O sucesso da Disney deve logo ganhar uma continuação, com mais destaque para a heroina Elsa. Foi o que bastou para uma minoria bastante vocal lançar uma “campanha” exigindo que Elsa, vai saber o motivo, seja lésbica e arrume uma namorada. Verbalizar um desejo é saudável, mas quando a coisa vira bandeira de uma minoria, aí o problema é outro. E se os responsáveis por Frozen não acharem uma boa idéia abordar a sexualidade da personagem, é certo que os gritos de “machistas” e “homofóbicos” vão ecoar – uma polêmica nascida literalmente do nada.
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Apocalipse e Mística: violência contra a mulher ou quebra-pau mutante?
A celeuma em torno do poster de X-Men: Apocalipse, com o vilão erguendo a mutante Mística pelo pescoço, é ainda mais absurda. Com billboards espalhados por Los Angeles com essa cena em particular, retirada do filme, um grupo na internet passou a associar a imagem com algum tipo de endorso para a violência contra a mulher. A atriz Rose McGowan logo jogou mais lenha, dizendo que era um problema comparável a colocar um homem branco sufocando um negro, ou um hetero apertando o pescoço de um homosexual. O problema, diz, é a “imagem fora do contexto”. Eu imagino qual seria um outro contexto de um vilão azul atacando uma heroína igualmente azul para vender uma fantasia sobre heróis e vilões mutantes. A Fox não quis alimentar a polêmica totalmente sem sentido, pediu desculpas e disse que retiraria os anúncios. Mas, ei, no filme Apocalipse continua enchendo Mística de bordoada. Isso não é violência contra a mulher: é quebra-pau num filme de super-heróis.
O fato de alguns fãs se sentirem no direito de interferir no trabalho de criadores é preocupante, pois inverte as regras da própria produção cultural. Não seria mais a voz de um artista a prevalecer, e sim de um grupo barulhento determinado a atender unicamente suas próprias prerrogativas. Arte não importa – importa a birra funcionar. O grande problema é que o enunciado “o cliente tem sempre razão” não funciona quando o objeto são trabalhos criativos. Neste caso, o “cliente” é uma massa amorfa e diversa, sem foco e com centenas de agendas diferentes. O melhor que um artista pode fazer é ignorar os gritalhões e seguir em frente. Lembro da capa alternativa de um gibi da Mulher-Aranha produzido pelo mestre Milo Manara, que trazia a heroina subindo um telhado. Seu traje, praticamente pintado à pele – exatamente a visão de Manara sobre super-heróis, não importa o sexo. Mas bastou para grupos feministas se inflamarem contra a Marvel, que pediu mil desculpas e recolheu a arte. Não entendo essa “liberdade de expressão” que só funciona para interesses específicos.
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Com este desenho da Mulher-Aranha, Milo Manara quebrou a internet…
A impressão é que temos mesmo uma multidão de “Annie Wilkes”, marretas em punho, disposta a invadir estúdios e produtoras para moldar “seus” heróis de acordo com sua visão obtusa. Como se fossem donos dos personagens – não são, nem de longe. É colocar a DC como alvo porque seus editores e artistas decidiram usar personagens de Watchmen, de Alan Moore, na linha narrativa da série Rebirth. É dizer que o próximo Star Wars tem problemas porque sites irresponsáveis se precipitaram quanto à natureza das cenas adicionais a ser filmadas para Rogue One – uma prática, diga-se, corriqueira para qualquer produção desse porte.
Quem realmente se importa com os rumos da cultura pop e seus produtos toma sua posição de direito – a de observador – e espera os resultados. Uma história ruim é só isso: uma história ruim. O Capitão América já foi submetido a narrativas incríveis que começaram com uma ideia considerada sacrilégio pelos mais fanáticos, como a criação do Soldado Invernal, que subverteu uma das “certezas” dos quadrinhos, a que Bucky, parceiro do herói, havia morrido na Segunda Guerra. Ok, Steve Rogers é fiel à Hydra. E daí? A única coisa que importa é ser uma boa história. “Achei a ideia empolgante e me deixou curioso para acompanhar seu desenvolvimento”, disparou Stan Lee, o patrono da Marvel. Um detalhe. Essa primeira edição de Steve Rogers: Capitão América esgotou nas lojas especializadas nos Estados Unidos.
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A nova série do Capitão América: tiragem esgotada

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